Sr. Primeiro-ministro:
Dirijo-me a Vexa bastante angustiado por ver o nosso país derrapar para o desastre e sem sinais de capacidade de recuperação de tal desgraça. E por estranho que pareça, face aos últimos acontecimentos e ataques que lhe têm sido dirigidos, é em Vexa que vejo a tábua de salvação de todos nós, tendo em conta o alto cargo que legitimamente desempenha e as inerentes possibilidades desse cargo na prossecução do bem nacional.
Explico-me. Vexa e alguns dos seus colaboradores têm-se mostrado particularmente ofendidos pelo facto do carácter do Sr. Primeiro-ministro poder estar a ser posto em causa. Pois eu desejo afirmar que o carácter de Vexa está mesmo em causa e como uma natural consequência de comportamentos muito graves de que, de modo algum, Vexa se retractou.
Por ter cometido erros ninguém lhe pode atirar pedras.
Mas concordará que temos de nos preocupar com aquelas pessoas que, havendo praticado faltas graves, mostram não as entender como tal, mesmo quando confrontadas com o problema. É que tais pessoas provam, na prática, não se regerem pelas mais universais e comezinhas normas éticas, o mesmo é dizer que demonstram ser pessoas sem carácter e nas quais não se pode confiar. Se essas pessoas, ainda para mais, como acontece com Vexa, dispõem de poder e exercem cargos de alta responsabilidade, a questão, como é evidente, assume proporções terríveis com implicação no bom funcionamento das instituições e no bem nacional.
Ora, Vexa tem muitos pecados, publicamente conhecidos, de que nunca se retractou. Recordo apenas um. Poder-se-á confiar num Primeiro-ministro que tirou um curso de engenharia da forma que Vexa o fez? Poderemos confiar num Primeiro-ministro que cauciona o oportunismo, uma vez que nunca dele se retractou e, portanto, deu claro sinal de que, sob a sua governação, é perfeitamente válido em Portugal enveredar por tais caminhos? Poderemos confiar num Primeiro-ministro que desta forma mostra não querer saber dos gravíssimos problemas éticos que afectam os partidos e estão a destruir o nosso pais?
Sr. Primeiro-ministro, o problema de fundo não são este ou aquele seu erro mais antigo, o problema de fundo é o seu manifesto não arrependimento, é a sua teimosia em não os reconhecer e, portanto, a certeza com que ficamos de que vai continuar a praticá-los, o que as notícias do dia a dia tem indiciado e/ou provado.
Nestas circunstâncias, e tendo em conta a legitimidade do seu lugar, a sua altíssima importância, a dificuldade em encontrar, no imediato, alguém que o possa substituir, a grave crise que atravessamos e que necessita de firme e respeitada condução, exorto Vexa a manter-se no seu cargo e a retractar-se, rejeitando as manobras oportunistas e de aproveitamento do aparelho do Estado, aceitando reger-se por um vulgar código de ética e a fazer uso dele na governação.
Pode Vexa estar ciente de que, ao dar esse passo, prestará um inestimável serviço ao país.
A sua retractação fará desmoronar uma série enorme de habilidades e impunidades e, acima de tudo, será um inequívoco sinal, para o interior e o exterior de Portugal, de que uma nova era irá começar. Não acabarão os problemas num ápice porque são muitos. Abrir-se-á, todavia, uma janela grande de esperança e Vexa será festejado. O reverso, custa-me dizê-lo, porque estou apenas a apelar à aceitação de um vulgar código de ética, será o de uma vil saída. Ou Vexa não concorda que é uma vileza recusar a prática de um vulgar código de ética?
Uma vez mais exorto Vexa a retractar-se e a tirar desse acto todas as suas benéficas consequências.
Subscrevo-me, angustiado,
Pedro Paulo de Faria
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010
terça-feira, 19 de janeiro de 2010
Oitenta e três por cento de bons!
Oitenta e três por cento de bons!
Uma mistificação de que todos somos culpados.
Há cerca de uma semana soubemos, pela Ministra da Educação, que tinha sido dada a nota de “bom” a 83 por cento dos professores do ensino público. Como nas notícias que li, sobre as negociações do ME com os sindicato, foram apenas referidas as notas de “bom”, “muito bom” e “excelente”, julgo poder presumir que os outros professores, incluídos nos restantes 17 por cento do conjunto, foram classificados com “muito bom” ou “excelente” e que não houve docentes, pelo menos em número minimamente significativo, com nota inferior a “bom”.
Instado sobre esta matéria, o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa disse acreditar nos 83 por cento de bons, isto é, na real existência de uma esmagadora maioria de professores ao nível de pelo menos “bom”. Eu não acredito que ele acredite no que afirmou e tomei a sua resposta, perante as câmaras da RTP 1, como uma forma de fugir à discussão do assunto.
Ora toda a gente sabe que nem os professores nem os funcionários públicos em geral (entre os quais, segundo alguns, a classificação de “bom” impera) são ou podem ser quase todos bons ou mais do que bons. Por outro lado, não houve qualquer campanha sistemática de criterioso recrutamento e apuramento, no caso dos professores, que pudesse ter levado àquele resultado espectacular. Estaremos, portanto, perante números enganadores.
Alguns dirão que o facto não é muito grave porque se tem apenas um deslocamento da escala, esclarecendo que, se entendermos “bom” como “suficiente” ou “apto”, muito “bom” como simples “bom” e “excelente” como “muito bom”, as coisas já se ajustam.
Contudo, este entendimento não me parece admissível por três importantes razões.
Em primeiro lugar, porque não faz sentido que sejam aceites, e muito menos por parte do Ministério da Educação, significados para as palavras que não lhes pertencem, quando existem termos ou significantes perfeitamente adequados para os significados em causa. Por exemplo, quem satisfaz medianamente as suas funções e que, na classificação nominal tradicional, teria um “suficiente”, não pode nem deve ter um “bom”. Admitir a confusão dos termos é permitir ambiguidades, abrir a porta à desordem e ao oportunismo.
Em segundo lugar, o logro não estará apenas no deslocamento da escala mas também no número prático de degraus considerado. Onde se estabelece uma diferença entre “muito bom” e “excelente” não se compreende que todo o resto possa ficar indiferenciado dentro do “bom”. Há com certeza mais degraus na classificação do ME que ficaram por utilizar. Talvez por se querer evitar afrontar e/ou traumatizar pessoas com notas menos agradáveis, empastelou-se o sistema em apenas três escalões. Mas, com três categorias, a do meio deveria ser a mais cheia e não é. Ou seja, cometeu-se um erro e deu-se lugar a outro.
Em terceiro lugar, um sistema ambíguo e empastelado é não só lesivo dos contribuintes, por alimentar ineficiência dissipadora de recursos, como também é injusto e anti-estimulante para os que se dedicam à profissão e a desempenham de maneira meritória. (Como a experiência tem comprovado, o mérito reconhecido aos que não o têm raramente incentiva estes e desmotiva os melhores, levando a um abaixamento do rendimento geral).
Voltando à primeira razão apresentada gostaria de referir o seguinte. Se alguém me dissesse, em abstracto, que um funcionário com nota habitual de “bom” deveria ter acesso ao topo da carreira, eu concordaria de imediato. Mas discordaria se o “bom” quisesse dizer “mediano”. Onde quero chegar? Julgo que temos razões para desconfiar de que a falsa classificação de “bom” poderá ser ou ter sido, uma ou outra vez, utilizada com se fosse verdadeira.
O mal é dos professores? Acho que não, julgo que o mal é de todos nós, nomeadamente da maneira como nos deixámos ficar reféns de ideias igualitárias e das correspondentes práticas lesivas da boa rendibilidade dos grupos.
Lembro, a propósito, um exemplo que reputo de bastante significativo.
Os que viveram os anos de 1974 e 75 recordam-se muito bem da justíssima palavra de ordem que dizia “para trabalho igual salário igual”. Ela foi repetida vezes sem conta. Em todo o caso, no Estado e em empresas públicas, por perverso oportunismo de partidos e de direcções sindicais, por comodismo de políticos, juízes e gestores, por difusas ideias igualitárias, essa justa palavra de ordem rapidamente se transformou numa outra sentença nunca pronunciada. Assim, como se pode provar, “para trabalho igual salário igual” passou a significar, na prática e inúmeras vezes, “para denominação de funções igual ou descritivo de funções igual salário igual, pouco importando o nível de desempenho”.
Deixámos que se baralhassem as coisas, ainda que não raro com piedosas intenções. Estamos a pagar a factura.
Mas não podemos desistir. Há que combater o facilitismo, a mistificação instalada, o oportunismo.
Pedro Faria
quarta-feira, 6 de janeiro de 2010
Como atacar os maiores problemas de momento-5
Sobre a Justiça em Portugal (3.ª parte)
Nos dois apontamentos anteriores, procurei detectar os problemas mais importantes da Justiça e enunciar algumas vias de solução, colocando-me no ponto de vista de um cidadão comum e que se encontra fora do aparelho judiciário.
Faltou, em todo o caso, precisar um pouco melhor as consequências gerais da nossa ineficiência judicial, cujos efeitos mais directos, embora não imediatamente perceptíveis, talvez sejam os importantes estragos que provoca na coesão social democrática e na economia.
Consequências nefastas sobre a coesão social e a democracia
Numa sociedade onde abundam pessoas que impunemente não cumprem a lei, onde significativo número recorre com sucesso a habilidades de fuga ao fisco; tira descarado proveito da lentidão judicial para não pagar dívidas; aliena manhosamente património para não devolver o que indevidamente sacou; desrespeita contratos sem ser penalizado ou, por empenhos e prejuízo da maioria, consegue eliminar concorrentes, numa sociedade assim, onde os cidadãos podem constatar que o chamado Estado de Direito está longe de se realizar, porque tudo isto acontece sem que os Tribunais e demais órgãos de soberania consigam dar uma resposta minimamente satisfatória a tanto incumprimento, o espírito gregário é minado por uma tentação no sentido do salve-se quem puder, o que se compreende face a uma organização demasiado iníqua e particularmente injusta para quem queira ter uma vida honesta.
Em tais circunstâncias, que para nossa infelicidade são reais, a coesão social é gravemente afectada e a democracia é ameaçada.
Considero por isso tendencialmente criminoso o comportamento displicente, arrogante e evasivo dos agentes de justiça e dos políticos portugueses mais altamente colocados, que fingem não ver e mostram não querer considerar este seriíssimo problema.
Efeitos nefastos sobre a economia
Por outro lado, é matéria assente, entre economistas e analistas políticos, que não é possível estabelecer uma economia sã e sustentável sem um Estado de Direito. E vê-se bem porquê.
Nas suas relações económicas e financeiras os indivíduos e as empresas baseiam-se em contratos. Numa sociedade onde os acordos sejam amiúde desrespeitados sem consequências para os prevaricadores, instala-se a desconfiança entre os agentes económicos e deixa de haver condições para desenvolver um trabalho proveitoso. Se for muito difícil cobrar dívidas, as firmas mais pequenas passam por grandes dificuldades ou soçobram. E as mais fortes tendem a tomar medidas defensivas em relação a todos os clientes, com prejuízos para a maioria destes. Se há empresas que reiteradamente conseguem deixar de pagar os impostos ou as contribuições para a segurança social, as que cumprem são, desde logo, lesadas na sua capacidade concorrencial e vêem-se obrigadas a retrair-se, a degenerar ou procurar outras paragens. Se a corrupção é significativa, também a leal concorrência e a confiança dentro do sistema económico saem abaladas.
Quer dizer, onde a Justiça se mostra muito pouco eficiente para travar estas coisas, a economia ressente-se e vai abaixo, passa para um nível, digamos, subdesenvolvido, isto é, para um nível de menor qualidade e maior precariedade no que toca a todos os bens, sejam eles mais ou menos essenciais.
Ora, encontrando-se a Justiça portuguesa no estágio de ineficiência referido imediatamente atrás, as melhores reformas económicas que forem lançadas no nosso país estarão sempre votadas a enfrentar grandes dificuldades por razões extra-económicas.
Então, tal como o afirmou Henrique Raposo, em artigo no Expresso de 24-12-2009, versando igualmente sobre este tema, bem se pode dizer que, em Portugal, “a reforma económica mais urgente é, paradoxalmente, a reforma da Justiça”.
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sábado, 21 de novembro de 2009
Como atacar os maiores problemas de momento-4
Sobre a Justiça em Portugal (2.ª parte)
É necessário dispor de melhor legislação
A lei a que se submete a administração da justiça precede juízes e magistrados e é um instrumento tão essencial como o órgão de soberania que se encarrega da sua administração. Ora, não podemos ignorar as queixas que têm surgido sobre defeitos diversíssimos da lei. A própria Constituição da República Portuguesa não está isenta de importantes e fundados reparos.
A qualidade da justiça em Portugal é afectada, necessariamente, pelo que está mal nas leis e os cidadãos têm motivos para exigir uma maior eficiência e probidade de todos aqueles que contribuem para a sua feitura.
E se uma vulgar pessoa não pode invocar a ignorância da lei para sua defesa, será bom que aqueles que a elaboram, redigem e referenciam, cuidem de a apresentar de uma forma mais compreensível e com melhor arrumação. Sendo a legislação de um país um conjunto muito complexo, mal se entende que se acrescentem complicações por desleixo, apego a fórmulas ultrapassadas ou infundada relutância em aplicar modernos processos de referenciação e cruzamento de dados com consequências simultaneamente enriquecedoras e simplificadoras.
À pala da nossa protecção, vemos serem protegidos os que nos ludibriam
A grande complexidade da lei não tem impedido o cidadão comum de se aperceber de lacunas, artimanhas e desvios de finalidade de que algumas leis enfermam.
Apercebemo-nos de muitos crimes sobre os quais a Justiça nunca chegou à completa identificação ou a uma condenação dos respectivos autores conforme à gravidade dos actos cometidos. Vimos como nesses casos os poderosos puderam servir-se habilmente dos meios de protecção devida aos arguidos, bem como de expedientes processuais, para arrastar os julgamentos e fazê-los naufragar. Demo-nos conta de que haveria acusações mal preparadas. Vimos serem liminarmente recusados elementos de prova por serem susceptíveis de manipulação e/ou por não terem sido autorizados por um juiz. Verificámos que alguém ou alguma empresa pôde invocar e fazer prevalecer direitos adquiridos, com base em despachos incompetentes, quando não dolosos, contra anteriores direitos de grupos sociais muito mais vastos.
Vimos, portanto, muitas maneiras de não se fazer justiça, sem que os erros fossem devidamente reconhecidos e alguma alteração benéfica ocorresse.
Em tais circunstâncias chegou-nos a dar gana de fazer justiça pelas nossas próprias mãos. Por isso, não raro, a propósito dos processos mais mediáticos e perante uma certa onda justiceira que sempre se desenvolve, ouvimos pessoa chamarem-nos a atenção para o facto da República Portuguesa ser um Estado de direito democrático, onde não pode valer tudo para acusar as pessoas e onde só se deve agir de acordo com a lei. Estas têm sido palavras muito sensatas e oportunas. Só que, nessas ocasiões, conviria, dentro de uma mesmo intento didáctico, nunca deixar de referir os defeitos da lei ou da sua administração, defeitos cuja percepção revolta os cidadãos e favorece os indesejáveis sentimentos justiceiros.
Constatámos que as leis e as normas de desenvolvimento dos processos têm falhas que concorrem para uma deficiente e injusta administração da justiça. Notámos que dentro do sistema judicial se tropeça com demasiada burocracia. Verificámos, também, que há muitos casos em que prevalece a forma e o irrelevante em detrimento do essencial, uma prevalência que, apregoada como escrupuloso cumprimento da lei e ratificada, bem ou mal, pelos juízes, constitui um filão das manobras dilatórias senão uma forma de aniquilação prática de algumas provas.
O cidadão comum não consegue entender, por exemplo, que uma escuta, devidamente autorizada e relevante como prova de um crime, possa ser posta em causa devido, por exemplo, a ter devassado a vida de pessoas que nada tinham a ver com o que estava a ser averiguado. O que cidadão comum deseja é que se proteja a privacidade daqueles que por acidente foram apanhados na pesquisa, que se penalize qualquer eventual exorbitância na averiguação, mas que não se anule a prova por razões laterais. Mais, se a extensão acidental da escuta revelar outro crime ou trouxer novos elementos para o caso, afirma o cidadão comum que tal não se despreze. De outro modo sentir-se-á burlado pela máquina da Justiça que, à pala da sua protecção, acaba por proteger aqueles que o enganam.
É igualmente difícil de perceber a rejeição liminar de eventuais provas como escutas áudio, fotos e vídeos obtidos sem autorização do poder judicial ou fora de sistemas de vigilância devidamente legalizados. Os principais argumentos para a recusa, quanto se percebe, são: primeiro, a fácil manipulação de tais testemunhos e, segundo, o repúdio de registos com origem em interesses particulares, não poucas vezes envolvendo a devassa da vida de outros cidadãos com propósitos ilícitos. A fraqueza destes argumentos reside em dois factos: não há testemunho cuja veracidade não tenha de ser escrutinada e a origem da generalidade dos registos audiovisuais não é reprovável. Mas, mesmo quando o seja, haverá que julgar o delito associado ao registo e não desprezar a eventual prova.
Como resultado de falhas deste género vemos pessoas em posições importantes no país que, não se tendo retractado dos seus erros, passeiam a sua impunidade, baseada em anulações formais, e se dão até ao descaramento de se pronunciarem sobre outros delitos como se tivessem alguma autoridade moral para o fazer.
O vício conceptual de deixar prevalecer o menos importante sobre o essencial
Nos aspectos que se referem à feitura das leis e regulação dos processos não é de mais insistir no vício que consiste em deixar que o menos importante ou particular possa prejudicar ou até prevalecer sobre o mais importante, o essencial ou o mais geral. Ouvindo advogados, professores de direito, magistrados e juízes, ficamos convencidos de que esse vício será algo que lhes é inoculado nas faculdades e acaba por tolher o raciocínio de alguns. Perdoem os visados a maneira metafórica, jocosa e um tanto redutora de pôr a questão. Mas, na verdade, vemos que muitas destas pessoas se enredam facilmente em habilidades jurídicas e se esquecem, amiúde, da lógica e coerência a que as leis devem obedecer para satisfazer a sua grande finalidade.
Esse esquecimento leva, entre outras coisas, a que na nossa legislação o enriquecimento ilícito, a corrupção e o grande crime económico, ilícitos devastadores e já de si muito difíceis de averiguar, consigam ficar praticamente impunes como consequência de garantias legais que dificultam, em tempo útil, a recolha e o reconhecimento de provas, para gáudio dos prevaricadores e desespero dos que trabalham e pagam os impostos.
Pede-se pois às escolas de direito que reflictam sobre as razões de uma tão deficiente Justiça em Portugal, que discutam as suas conclusões preliminares com entidades exteriores às Universidades, que reconheçam a sua muito provável contribuição negativa, que apresentem conclusões e as façam reflectir sobre o ensino.
O papel, nem sempre positivo, dos advogados
No que respeita aos advogados, uma das prestações mais negativas de que o cidadão comum se apercebe é a da sua contribuição efectiva para a litigância de má fé, para o arrastamento dos processos tendo em vista ganhos ilegítimos, ainda que legalmente sustentados. Outra é a do recurso a expedientes onde a verdade é traída, como quando sugerem aos clientes a apresentação de testemunhas falsas, mesmo que com boas intenções O cidadão comum também nota que os advogados, em especial através dos grandes escritórios, não sentem pejo em explorar a lei para apoiar pessoas ou empresas na prossecução de empreendimentos cuja realização lesa, de algum modo, a sociedade em geral.
É evidente que carecemos de dispositivos dissuasores e punitivos da litigância de má-fé, tanto para as partes como para os advogados. É evidente também que ou falta alguma coisa ao código deontológico dos advogados ou este não está a ser suficientemente lembrado para condenar condutas de desprezo da verdade ou de apoio a negócios menos claros.
Dentro deste panorama, parece que os advogados têm contribuído mais para armadilhar a lei a favor de poderosos do que para melhorá-la como instrumento de Justiça. Registem-se, no entanto, os esforços do actual bastonário da Ordem dos Advogados para uma efectiva melhoria do sistema judicial bem como para a condenação de práticas pouco recomendáveis por parte de colegas seus.
O papel, nem sempre positivo, dos outros órgãos de soberania
O Governo e a Assembleia da República são os dois órgãos de soberania de onde advêm as leis. Os seus membros provêm genericamente dos partidos políticos. Os partidos políticos, por seu lado, patenteiam inúmeros atropelos à lei e à ética. (Basta considerar os casos vindos a público, relativos ao financiamento, para se ver como, no seio dos partidos, a legalidade e a ética são frequentemente esquecidas. Se falássemos da ocupação de lugares no Estado ou de empresas ligadas ao Estado, continuaríamos a encontrar coisas bem lastimáveis e revoltantes).
Portanto, em Portugal, temos muitas razões para desconfiar das escolas partidárias, dos deputados e, muito em particular, dos líderes partidários, os quais, no mínimo, fecham os olhos aos atropelos. Como complemento, somos brindados, fora do chapéu da pseudo-desculpa do trabalho para a causa partidária, com pessoalíssimas demonstrações de uma falta de ética sem arrependimento.
Lembremos só dois exemplos e ao mais alto nível do Estado.
O Sr. Primeiro-ministro, um experimentado líder partidário, tirou, como se provou e não sofreu desmentido, um curso de engenharia muito questionável quanto ao nível e à avaliação dos conhecimentos adquiridos, num processo inadmissível numa universidade minimamente decente. Ao optar por esta via para alcançar o título de engenheiro, ou de licenciado em engenharia, revelou o Sr. Primeiro-ministro um reprovável oportunismo. Foi algo muito grave, para não dizer pior, num responsável governamental para quem o ensino e a educação não podem ser entendidos como uma impostura. Apesar disso, nunca se retractou do embuste em que se envolveu.
O Sr. Presidente da República tem também um historial de líder partidário. Fez passar, é verdade, a imagem de não gostar de muitas das práticas do seu partido, talvez por ferirem a sua verticalidade, mas, durante a sua liderança, nunca enjeitou o respectivo aparelho ou evidenciou propósitos de alterar o que estivesse mal. Há bem pouco tempo e em concordância com outros sinais anteriores, demonstrou ser, sem sombra para dúvidas, um mistificador que despreza os seus concidadãos. Isso aconteceu com a declaração solene que fez ao país sobre as alegadas escutas a Belém, na qual não respondeu a qualquer das questões que se punham e introduziu, como se fossem problemas de Estado, questões laterais. Ficou publicamente demonstrado que o acto foi muito pouco digno. Apesar disso, também nunca se retractou.
A Justiça, como é natural, ressente-se destes maus exemplos e de toda a consentida má escola partidária que entra na elaboração das leis.
Como membros da sociedade civil precisamos de dar um sinal de veemente desaprovação das habilidades batoteiras e fazer pressão, por todos os meios ao nosso alcance, incluindo o do voto, para condenar a falta de ética de muitos dos nossos responsáveis políticos e fazer com que o seu nível ético se situe acima da média do nosso país e acabe por fazer com que este último também se eleve.
Pedro Faria, 20 de Novembro de 2009
quarta-feira, 18 de novembro de 2009
Como atacar os maiores problemas de momento-3
Sobre a Justiça em Portugal (1.ª parte)
Ponto de vista deste comentário
A visão que desejo apresentar da Justiça em Portugal é a correspondente à de um cidadão comum, com poucos contactos directos com órgãos ligados à Justiça, mas que se sente, como tantos outros, directa e indirectamente vítima da sua elevada inoperância e desajuste.
O que vamos entender como Justiça
Convém esclarecer, desde já, o que iremos englobar sob esta designação.
Em primeiro lugar, há que referir a administração da justiça levada a efeito pelo órgão de soberania denominado “Tribunais”. Aí se incluem os tribunais judiciais (de primeira, segunda instância e supremo), os tribunais administrativos e fiscais, o Tribunal de Contas, tribunais marítimos, tribunais arbitrais e julgados de paz, bem como o Ministério Público, ao qual pertence a Procuradoria-Geral da República. Juntemos a este grupo o Tribunal Constitucional, embora a nossa lei fundamental não o considere sob o título de “Tribunais”.
A ideia mais abrangente que temos de Justiça não se confina, em todo o caso, aos órgãos atrás mencionados. Há que acrescentar a Polícia Judiciária e não esquecer, sob outro ponto de vista, o próprio corpo de leis pelo qual os órgãos judiciais se têm de reger, assim como o patrocínio forense assegurado pelos advogados e o Observatório Permanente de Justiça. Deste modo, não vamos pôr de lado as importantes contribuições para o estado da Justiça em Portugal da rsponsabilidade da Assembleia da República, do Governo, dos advogados e das escolas onde se ensina direito, jurisprudência e sociologia.
Lentidão e inoperância
Justiça forte com os mais fracos e fraca com os mais fortes
As mais visíveis pechas da justiça portuguesa são, talvez, a lentidão e a inoperância.
Os cidadãos verificam que, em geral, os casos que envolvem pessoas e instituições com algum poder demoram muitos anos a serem resolvidos ou acabam por não ter resolução satisfatória, seja por via de uma dissolução em pormenores formais que obscurecem e até anulam o essencial, seja por causa de provas mal estabelecidas e/ou devido a incompreensíveis prescrições. As vítimas não são compensadas em tempo útil e os faltosos não só escapam à devida punição como, não raro, exibem com despudor a esperteza que os fez escapar à lei. E, como sabemos, quando a Justiça não funciona todos são prejudicados, sobretudo os que trabalham e pagam os seus impostos.
Casos como os da Operação Furacão, Freeport, Sobreiros, Casa Pia, Submarinos ou edifício dos CTT de Coimbra, que já têm anos, dão iniludível consistência à ideia generalizada de serem questões que nunca serão resolvidas ou que, quando muito, serão encerradas sem se conseguir responsabilizar devidamente quem cometeu os actos susceptíveis de condenação. A esperança de solução para os casos mais recentes do BPN, BPP e Face Oculta não é maior. (Por que será que, nos Estados Unidos, uma ocorrência semelhante à do BPN foi solucionada em cerca de seis meses?). Outro aspecto da lentidão que os mais poderosos conseguem impor é a que se verifica nalguns processos de indemnização, em que até decisões, inteiramente favoráveis aos requerentes, só aparecem dez ou mais anos sobre os acontecimentos, quando as reparações já perderam sentido!
Mesmo que não estejam envolvidos poderosos, o cidadão comum tem a impressão, assente em inúmeros relatos, de que bastará uma das partes ter mais um pouco de poder para que possa ser embaraçado o justo andamento de um caso, o que entronca naquilo que o actual Bastonário da Ordem dos Advogados, Dr. Marinho Pinto, sintetizou com a afirmação de que a nossa Justiça é forte com os fracos e fraca com os fortes.
A Justiça não se mostra capaz de uma auto-reforma e está inquinada
Por que motivo isto se passa assim? Por que será que, em dezenas de anos, os diversos agentes envolvidos na Justiça não conseguiram solucionar pelo menos alguns dos problemas de fundo?
As causas serão muitas, mas é evidente que a Justiça Portuguesa não tem sido capaz de se auto-reformar, uma vez que, face às prementes necessidades colocadas durante dezenas de anos, não deu sinais de o conseguir fazer.
Sendo muitos os agentes de Justiça que podemos admirar pelo seu saber, probidade e dedicação, a verdade é que vemos os diversos subconjuntos do sistema enleados mais em interesses de grupo, em habilidades jurídicas ou académicas, em vaidades e questões políticas, do que numa efectiva contribuição para a boa administração da justiça.
Deste inegável e triste panorama inferimos, portanto, que os diversos órgãos da Justiça se encontram submetidos a agentes menos dignos e/ou reféns de interesses corporativos, político-partidários ou económicos. Para além disso estarão ainda presos a concepções erróneas sobre a finalidade da administração da justiça.
Um caso bem conhecido de inquinação
Um exemplo claro da submissão a agentes menos dignos é o do Ministério Público. As frequentes e impunes violações do segredo de justiça sobre as quais não se descortinam outros propósitos que não sejam os (i) de difamar suspeitos ou (ii) de pôr em cheque organizações a que eles pertençam ou (iii) de lançar confusões que desacreditem a própria investigação (a fim de safar efectivos malfeitores) ou que tenham como objectivo (iv) contrariar qualquer das acções anteriores ou, ainda, (v) impedir, em desespero, que importantes processos morram à nascença, essas violações, dizíamos, mostram-nos, por uma razão ou por outra, que o Ministério Público está seriamente inquinado.
Mais, as fugas para os meios de comunicação indiciam outras e secretas fugas particulares, por exemplo, para dar tempo a alguns suspeitos, nomeadamente os mais poderosos, de eliminar provas comprometedoras.
Não seria mau, para começar, que o Conselho Superior do Ministério Público se submetesse, de forma expressa, a um código de ética, do tipo referido em post anterior, para dele tirar, de cima até baixo, as necessárias consequências. Não estão em causa os que já cumpram normas do género mencionado, mas sim aqueles que, lá dentro e para descrédito do Ministério Público, delas se riem.
Será talvez de rever, desde já, o quadro em que se insere o grande poder dos magistrados, o qual, devendo contribuir para uma geral, desenvolta e independente resolução dos processos, não parece estar a orientar-se nesse sentido.
As condições em que se aplica o segredo de justiça também serão de discutir, tendo em conta que ele não deverá ser instrumento de secreto abafo de casos incómodos, de cobertura de atrasos injustificáveis ou de interesses de violação.
Os sindicatos de magistrados e juízes não parecem ter razão de ser
O sindicalismo na Justiça, estendido a magistrados e juízes, contrariamente aos sinceros desejos de alguns, não ajudou a dignificar o sistema nem contribuiu para a sua independência. De acordo com o que se percebe, tal sindicalismo, inserido num órgão de soberania, serviu, sobretudo, para assegurar remunerações, reformas e regalias sociais, das mais elevadas da nossa sociedade, aos juízes e magistrados. Ora, isso não seria genericamente criticável se a Justiça funcionasse de maneira minimamente satisfatória e se não continuássemos a ver as respectivas organizações socioprofissionais envolvidas em disputas de poder ou de liderança, apegadas, acima de tudo, à protecção acrítica dos seus associados bem como à obtenção de direitos, preitos e benesses, alheadas do estado deplorável da própria Justiça, salvo piedosas e pouco consequentes declarações.
Os cidadãos têm dificuldade em entender um poder constitucional – pois os juízes e magistrados são membros, com estatutos especiais, de um órgão de soberania – cujos representantes se comportam, através das suas organizações socioprofissionais, como se fossem empregados dos outros órgãos de soberania. E vêm na correspondente actividade reivindicativa uma porta que se abriu à entrada de interesses político-partidários na Justiça, já que a negociação de benesses e contrapartidas dos diferentes grupos judiciais passou pela apreciação e disputa dos partidos ligados ao Governo e representados na Assembleia da República, os quais, naturalmente, não terão deixado de aproveitar a oportunidade que se lhes ofereceu de ganhar ou reforçar posições nas associações sindicais dos juízes e magistrados. Estas e a Justiça, conforme os sinais indiciam, foram arrastadas, de maneira mais ou menos sub-reptícia, para a luta política.
A interferência dos partidos nas associações sindicais de juízes e magistrados é uma questão de fundo porque abala a autonomia da Justiça. Os tribunais têm de ser independentes, sujeitos apenas à lei, sob pena da sua função perder sentido. Se os seus principais agentes se organizam em associações cujo sucesso reivindicativo se liga a interesses de grupos políticos, a independência fica em perigo. E a independência, outorgada aos tribunais pelo povo português, deve ser tratada como coisa inalienável pelos agentes da Justiça. Malbaratá-la ou torpedeá-la é algo de muito grave.
Conclui-se que o sindicalismo na Justiça, no que respeita a magistrados e juízes, não é recomendável e deverá, talvez, desaparecer. Não faltarão dispositivos e processos dignos, fora do movimento sindical, para tratar das questões relativas às suas carreiras, remunerações, pensões e regalias sociais. E não faltarão também mecanismos não sindicais de discussão da eficiência da Justiça, que permitam aos magistrados e aos juízes darem relevantes contributos para a melhoria da bastante desacreditada máquina judicial.
(Continua)
Títulos dos pontos da segunda parte deste post:
É necessário dispor de melhor legislação
À pala da nossa protecção, vemos serem protegidos os que nos ludibriam
O vício conceptual de deixar prevalecer o menos importante sobre o essencial
O papel, nem sempre positivo, dos advogados
O papel, nem sempre positivo, dos outros órgãos de soberania
Ponto de vista deste comentário
A visão que desejo apresentar da Justiça em Portugal é a correspondente à de um cidadão comum, com poucos contactos directos com órgãos ligados à Justiça, mas que se sente, como tantos outros, directa e indirectamente vítima da sua elevada inoperância e desajuste.
O que vamos entender como Justiça
Convém esclarecer, desde já, o que iremos englobar sob esta designação.
Em primeiro lugar, há que referir a administração da justiça levada a efeito pelo órgão de soberania denominado “Tribunais”. Aí se incluem os tribunais judiciais (de primeira, segunda instância e supremo), os tribunais administrativos e fiscais, o Tribunal de Contas, tribunais marítimos, tribunais arbitrais e julgados de paz, bem como o Ministério Público, ao qual pertence a Procuradoria-Geral da República. Juntemos a este grupo o Tribunal Constitucional, embora a nossa lei fundamental não o considere sob o título de “Tribunais”.
A ideia mais abrangente que temos de Justiça não se confina, em todo o caso, aos órgãos atrás mencionados. Há que acrescentar a Polícia Judiciária e não esquecer, sob outro ponto de vista, o próprio corpo de leis pelo qual os órgãos judiciais se têm de reger, assim como o patrocínio forense assegurado pelos advogados e o Observatório Permanente de Justiça. Deste modo, não vamos pôr de lado as importantes contribuições para o estado da Justiça em Portugal da rsponsabilidade da Assembleia da República, do Governo, dos advogados e das escolas onde se ensina direito, jurisprudência e sociologia.
Lentidão e inoperância
Justiça forte com os mais fracos e fraca com os mais fortes
As mais visíveis pechas da justiça portuguesa são, talvez, a lentidão e a inoperância.
Os cidadãos verificam que, em geral, os casos que envolvem pessoas e instituições com algum poder demoram muitos anos a serem resolvidos ou acabam por não ter resolução satisfatória, seja por via de uma dissolução em pormenores formais que obscurecem e até anulam o essencial, seja por causa de provas mal estabelecidas e/ou devido a incompreensíveis prescrições. As vítimas não são compensadas em tempo útil e os faltosos não só escapam à devida punição como, não raro, exibem com despudor a esperteza que os fez escapar à lei. E, como sabemos, quando a Justiça não funciona todos são prejudicados, sobretudo os que trabalham e pagam os seus impostos.
Casos como os da Operação Furacão, Freeport, Sobreiros, Casa Pia, Submarinos ou edifício dos CTT de Coimbra, que já têm anos, dão iniludível consistência à ideia generalizada de serem questões que nunca serão resolvidas ou que, quando muito, serão encerradas sem se conseguir responsabilizar devidamente quem cometeu os actos susceptíveis de condenação. A esperança de solução para os casos mais recentes do BPN, BPP e Face Oculta não é maior. (Por que será que, nos Estados Unidos, uma ocorrência semelhante à do BPN foi solucionada em cerca de seis meses?). Outro aspecto da lentidão que os mais poderosos conseguem impor é a que se verifica nalguns processos de indemnização, em que até decisões, inteiramente favoráveis aos requerentes, só aparecem dez ou mais anos sobre os acontecimentos, quando as reparações já perderam sentido!
Mesmo que não estejam envolvidos poderosos, o cidadão comum tem a impressão, assente em inúmeros relatos, de que bastará uma das partes ter mais um pouco de poder para que possa ser embaraçado o justo andamento de um caso, o que entronca naquilo que o actual Bastonário da Ordem dos Advogados, Dr. Marinho Pinto, sintetizou com a afirmação de que a nossa Justiça é forte com os fracos e fraca com os fortes.
A Justiça não se mostra capaz de uma auto-reforma e está inquinada
Por que motivo isto se passa assim? Por que será que, em dezenas de anos, os diversos agentes envolvidos na Justiça não conseguiram solucionar pelo menos alguns dos problemas de fundo?
As causas serão muitas, mas é evidente que a Justiça Portuguesa não tem sido capaz de se auto-reformar, uma vez que, face às prementes necessidades colocadas durante dezenas de anos, não deu sinais de o conseguir fazer.
Sendo muitos os agentes de Justiça que podemos admirar pelo seu saber, probidade e dedicação, a verdade é que vemos os diversos subconjuntos do sistema enleados mais em interesses de grupo, em habilidades jurídicas ou académicas, em vaidades e questões políticas, do que numa efectiva contribuição para a boa administração da justiça.
Deste inegável e triste panorama inferimos, portanto, que os diversos órgãos da Justiça se encontram submetidos a agentes menos dignos e/ou reféns de interesses corporativos, político-partidários ou económicos. Para além disso estarão ainda presos a concepções erróneas sobre a finalidade da administração da justiça.
Um caso bem conhecido de inquinação
Um exemplo claro da submissão a agentes menos dignos é o do Ministério Público. As frequentes e impunes violações do segredo de justiça sobre as quais não se descortinam outros propósitos que não sejam os (i) de difamar suspeitos ou (ii) de pôr em cheque organizações a que eles pertençam ou (iii) de lançar confusões que desacreditem a própria investigação (a fim de safar efectivos malfeitores) ou que tenham como objectivo (iv) contrariar qualquer das acções anteriores ou, ainda, (v) impedir, em desespero, que importantes processos morram à nascença, essas violações, dizíamos, mostram-nos, por uma razão ou por outra, que o Ministério Público está seriamente inquinado.
Mais, as fugas para os meios de comunicação indiciam outras e secretas fugas particulares, por exemplo, para dar tempo a alguns suspeitos, nomeadamente os mais poderosos, de eliminar provas comprometedoras.
Não seria mau, para começar, que o Conselho Superior do Ministério Público se submetesse, de forma expressa, a um código de ética, do tipo referido em post anterior, para dele tirar, de cima até baixo, as necessárias consequências. Não estão em causa os que já cumpram normas do género mencionado, mas sim aqueles que, lá dentro e para descrédito do Ministério Público, delas se riem.
Será talvez de rever, desde já, o quadro em que se insere o grande poder dos magistrados, o qual, devendo contribuir para uma geral, desenvolta e independente resolução dos processos, não parece estar a orientar-se nesse sentido.
As condições em que se aplica o segredo de justiça também serão de discutir, tendo em conta que ele não deverá ser instrumento de secreto abafo de casos incómodos, de cobertura de atrasos injustificáveis ou de interesses de violação.
Os sindicatos de magistrados e juízes não parecem ter razão de ser
O sindicalismo na Justiça, estendido a magistrados e juízes, contrariamente aos sinceros desejos de alguns, não ajudou a dignificar o sistema nem contribuiu para a sua independência. De acordo com o que se percebe, tal sindicalismo, inserido num órgão de soberania, serviu, sobretudo, para assegurar remunerações, reformas e regalias sociais, das mais elevadas da nossa sociedade, aos juízes e magistrados. Ora, isso não seria genericamente criticável se a Justiça funcionasse de maneira minimamente satisfatória e se não continuássemos a ver as respectivas organizações socioprofissionais envolvidas em disputas de poder ou de liderança, apegadas, acima de tudo, à protecção acrítica dos seus associados bem como à obtenção de direitos, preitos e benesses, alheadas do estado deplorável da própria Justiça, salvo piedosas e pouco consequentes declarações.
Os cidadãos têm dificuldade em entender um poder constitucional – pois os juízes e magistrados são membros, com estatutos especiais, de um órgão de soberania – cujos representantes se comportam, através das suas organizações socioprofissionais, como se fossem empregados dos outros órgãos de soberania. E vêm na correspondente actividade reivindicativa uma porta que se abriu à entrada de interesses político-partidários na Justiça, já que a negociação de benesses e contrapartidas dos diferentes grupos judiciais passou pela apreciação e disputa dos partidos ligados ao Governo e representados na Assembleia da República, os quais, naturalmente, não terão deixado de aproveitar a oportunidade que se lhes ofereceu de ganhar ou reforçar posições nas associações sindicais dos juízes e magistrados. Estas e a Justiça, conforme os sinais indiciam, foram arrastadas, de maneira mais ou menos sub-reptícia, para a luta política.
A interferência dos partidos nas associações sindicais de juízes e magistrados é uma questão de fundo porque abala a autonomia da Justiça. Os tribunais têm de ser independentes, sujeitos apenas à lei, sob pena da sua função perder sentido. Se os seus principais agentes se organizam em associações cujo sucesso reivindicativo se liga a interesses de grupos políticos, a independência fica em perigo. E a independência, outorgada aos tribunais pelo povo português, deve ser tratada como coisa inalienável pelos agentes da Justiça. Malbaratá-la ou torpedeá-la é algo de muito grave.
Conclui-se que o sindicalismo na Justiça, no que respeita a magistrados e juízes, não é recomendável e deverá, talvez, desaparecer. Não faltarão dispositivos e processos dignos, fora do movimento sindical, para tratar das questões relativas às suas carreiras, remunerações, pensões e regalias sociais. E não faltarão também mecanismos não sindicais de discussão da eficiência da Justiça, que permitam aos magistrados e aos juízes darem relevantes contributos para a melhoria da bastante desacreditada máquina judicial.
(Continua)
Títulos dos pontos da segunda parte deste post:
É necessário dispor de melhor legislação
À pala da nossa protecção, vemos serem protegidos os que nos ludibriam
O vício conceptual de deixar prevalecer o menos importante sobre o essencial
O papel, nem sempre positivo, dos advogados
O papel, nem sempre positivo, dos outros órgãos de soberania
sexta-feira, 23 de outubro de 2009
Como atacar os maiores problemas de momento-2
Ainda sobre a ética
- Outro post sobre ética e tão depressa, porquê?
Desejo, primeiro do que tudo, realçar os muito bem elaborados e enriquecedores comentários que este assunto mereceu. E eles foram de tal ordem que, de imediato, não consigo deixar de reagir com nova reflexão sobre a matéria, mas sem pretensões de síntese ou abrangente conclusão, apenas com o objectivo de realinhar algumas das minhas ideias para, de seguida, as compartilhar.
- A falta de ética dos dirigentes e das pessoas em geral
No que respeita à falta de ética de muitos políticos e dirigentes, um dos aspectos mais sublinhados foi o da radicação dessa falha na própria falta de ética da população em geral, radicação sustentada na afirmação consensual de que os governantes acabam por não ser mais do que um reflexo do seu povo. Assim, deveríamos começar por nos emendar antes de exigir a emenda dos políticos e dos dirigentes.
Por outro lado, foi também destacada a importância da autoridade, ao ponto até de a sobrepor à educação cívica. Entendi esta observação como uma maneira de dizer que o correcto comportamento ético dos que estão em lugares de direcção é mais influente, pela sua reconhecida autoridade, do que muitas explanações sobre educação cívica. Deste jeito pôs-se a ênfase na necessidade de se terem dirigentes com um comportamento ético bastante acima do comum.
Quer dizer, foram encontradas razões para pensar que não teremos melhores governantes se não elevarmos todo o nosso comportamento ético em geral e, sob outra perspectiva, foram encontradas razões para pensar que não melhoraremos grande coisa sem a ajuda de alguma autoridade moral. Parece que desembocámos num paradoxo. Haverá saída? Julgo que sim.
- Atacar em duas frentes e estar preparado
Como acontece na prossecução dos projectos complexos, em que o caminho para atingir os objectivos não é bem conhecido, deveremos também aqui atacar o problema em mais do que uma frente e, o que não é menos importante, sem descurar uma especial preparação para, sempre que possível, tirar partido do imprevisto.
Logo, será de exigir, em simultâneo, um comportamento ético mais elevado aos nossos dirigentes e a nós mesmos.
Haverá bastantes que requererão muito dos outros e quase nada de si mesmos. Contudo, já algo se ganha se eles, para justificar as suas reclamações, se guiarem por um código de ética, o qual, porque o utilizaram, não poderão negar quando forem sujeitos a censura. (A propósito, cabe notar que os dirigentes que usam e abusam de palavras como honestidade, rectidão, rigor ou transparência para encobrir acções suspeitas, nunca referem o código específico de comportamento ético pelo qual se regem. Eles, todavia, assim como a maioria das pessoas, não recusariam, ou não teriam publicamente a coragem de recusar, as normas que listámos no post anterior. Isso mostra como é importante usarmos, nas várias frentes da nossa actividade cívica, um guia como aquele, a fim de evitar confusões ou imposturas, nossas e dos outros).
Estar preparado para tirar proveito do imprevisto é simplesmente, permitam-me alguma redundância, estar preparado e atento para fazer valer o código de ética sempre que surja uma oportunidade relevante, contribuindo de maneira substancial para aumentar a necessária pressão social no sentido de um elevado e generalizado comportamento ético. E, como sabemos, são os mais bem preparados e atentos que aproveitam as ocasiões ou que descobrem os tesouros onde outros não os vêm. Infelizmente, parecem ser os impostores e os oportunistas (vulgo chicos-espertos) que estão a prevalecer em Portugal, mostrando-se mais aptos. Tratar-se-á de uma fatalidade irreversível?
Esta última questão leva-nos a um ponto delicado: o dos interesses de cada um, da feroz competição individual, da ostentação, da busca desesperada pelo sucesso ou pelo poder.
- Os interesses individuais, a competição, o sucesso e o poder
Será que deveremos considerar como ilegítimos os interesses individuais, o espírito de competição, a busca do sucesso social ou a conquista do poder? Em meu entender qualquer destas manifestações torna-se inatacável desde que respeite a liberdade dos outros e não lhes acarrete prejuízos. Negar, por exemplo, a legitimidade de alguém querer juntar bastos bens materiais, de competir duramente, de exibir uma imagem de sucesso e de buscar o poder económico e/ou político, negar a legitimidade dessas atitudes só fará sentido se, penso eu, a pessoa em causa não cumprir as regras éticas básicas e as leis socialmente estabelecidas. O facto de, nestas andanças, não poucos se perderem em teias de falta de ética não deve servir para, à partida, estigmatizarmos aquelas tão naturais manifestações da natureza humana.
Veio este assunto à colação, também, porque a enorme competição existente entre as pessoas, assim como a demasiada valorização concedida pela nossa sociedade ao sucesso e à busca do poder, foram apontadas como causas de alguns dos nossos maiores males. Ora, a meu ver, apontar as baterias para este lado poderá ser um desperdício. Isto porque as pessoas, procurando sobreviver e alcançar alguma felicidade, o têm de fazer contra um meio muitas vezes adverso, nomeadamente o representado pelo seu semelhante quando lhe disputa um qualquer quinhão. Portanto, as pessoas competem e procuram estabilizar as vantagens. Sendo diferentes e não actuando sempre nas mesmas circunstâncias obtêm resultados diferentes. Este é um facto incontornável ligado à evolução humana. Querer erradicá-lo é o mesmo que inventar uma outra humanidade, o que, no mínimo, constitui uma perda de tempo.
Será, então, que nos temos de resignar à chamada lei da selva? De modo algum, como julgo poder mostrar.
- Como se evita a lei da selva
Do que disse atrás fica claro que, honestamente, não consigo defender, como solução, o igualitarismo ou qualquer sistema que dele mais ou menos se reclame, salvo no que respeita à igualdade de oportunidades. O que entendo aqui como igualitarismo é a doutrina daqueles que pretendem esbater as diferenças entre as pessoas e, em particular, entre os resultados que elas obtêm, fazendo de conta que as diferenças inter-pessoais não existem, impondo uma igualdade artificial. É bem conhecido o insucesso das experiências igualitárias que têm (teimosamente) sido levadas a efeito, seja na educação de crianças, na organização empresarial ou em outras instituições sociais. Os resultados, pelo que tenho sabido, situam-se sistematicamente abaixo do que, em condições não igualitárias, seria a mediania. Quanto se percebe, os melhores não têm estímulos para ultrapassar o nível médio do grupo em que obrigatoriamente estão inseridos e os menos preparados não beneficiam do efeito de arrasto nem daquilo que os melhores poderiam produzir.
Mas a evolução humana apetrechou-nos com mecanismos não só de contenção da lei da selva como de ganhos adicionais para os grupos que apliquem esses mecanismos. Os dispositivos em causa são as normas éticas, as quais se formaram e prevaleceram porque, necessariamente, alguma vantagem trouxeram. Dentro desta perspectiva, não vejo que o combate para um país melhor tenha de passar, no que à ética respeita, por igualitarismos utópicos ou a extinção de naturais aspirações dos humanos.
Tem de passar, isso sim, por um esforço no sentido de uma generalizada aplicação das normas éticas e da condenação social daqueles que as não cumpram. Desse modo ficam muitos mais a ganhar.
- A diversidade, a competição e os mais fracos. O amor, a amizade e a solidariedade
A diversidade e a competitividade têm sido, segundo a generalidade dos investigadores, importantíssimos motores da evolução da vida na Terra, sem excepção dos seres mais recentes e desenvolvidos, como os humanos. Por isso, aplicar ideologias que contrariam aquelas características é muito provavelmente apostar no fracasso, senão na tragédia, com já se verificou.
No entanto, importa esclarecer que não se pode inferir que advogo o desprezo, quiçá o descarte, dos mais fracos ou aparentemente menos aptos. Antes pelo contrário, pois julgo que é da abundância proporcionada pela competitividade e pelos mais aptos, sob condições éticas, assim como da humilde constatação de que nunca sabemos exactamente quão importantes são os mais fracos, que advém a sua maior protecção.
E o amor, a amizade e a solidariedade? São bens inestimáveis que uma elevada ética só pode beneficiar.
- Conclusão
Urge, portanto, aplicar e defender um código de comportamento ético como o esboçado no post anterior.
Ele pode ser bastante melhorado. Todas as contribuições são bem-vindas.
Pedro Faria, 23-10-2009
quarta-feira, 14 de outubro de 2009
Como atacar os maiores problemas de momento-1
Quanto à ética
Depois do diagnóstico delineado anteriormente, ficou lançado o desafio da terapia. A primeira questão que perpassou pela generalidade dos excelentes comentários recebidos foi a do comportamento ético dos cidadãos em geral e dos políticos em particular. João Soares adiantou mesmo um esboço de um código de ética. O que faço a seguir é aproveitar todas as contribuições para aprofundar e sistematizar um pouco mais este problema.
É consensual considerar-se, tendo em conta a análise histórica, que quanto mais elevado for o comportamento ético de um grupo social mais probabilidades ele terá de prosperar e de alcançar felicidade para os seus membros.
É também consensual tomarem-se como fundamento do comportamento ético as duas seguintes regras muito simples e fecundas:
- Não faças a outros o que não desejas que façam a ti.
- A tua liberdade é limitada e equilibrada por idêntica liberdade dos outros. (O que também se costuma dizer da seguinte forma: a tua liberdade acaba onde começa a dos outros).
Daqui se tiram, ou com estas duas regras se cinzelam, as mais importantes normas de comportamento que enformam as sociedades mais evoluídas. É sabido, todavia, que não poucos violam as regras. Nesse caso, a maioria tem o direito de dissuadir e até de punir os transgressores, isto considerando os prejuízos que provocam a nível individual e colectivo. Alguns infractores, a fim de ganharem clientes e apoiantes, usam o estratagema de distribuir benefícios que indevidamente colhem. Desse modo, conseguem alimentar, por períodos mais dilatados, os seus desejos e ambições, tudo à custa de injustos prejuízos de outros, dividindo e desagregando a sociedade, encaminhando-a para um desastre a prazo.
Significa isto que é fundamental fazermos tudo para que nossos dirigentes, sobre os quais impendem responsabilidades acrescidas e que por isso também devem ser compensados, sejam pessoas íntegras, apostadas em respeitar e responder perante um código de ética, tal como o delineado a seguir que, embora dirigido aos políticos, se aplica igualmente à generalidade dos cidadãos.
- Colocar sempre os interesses mais gerais acima dos interesses particulares, sem prejuízo da justa defesa destes últimos. Assim, um governante deverá colocar os interesses nacionais acima dos interesses do seu partido, da sua corporação, da sua família e dos seus amigos.
- Rejeitar e combater a corrupção, o enriquecimento ilícito e a habilidade manhosa ou falsificadora na obtenção de qualquer vantagem.
- Reconhecer e defender o trabalho aplicado e honesto como motor do bem-estar social.
- Assumir as responsabilidades de direcção, governação ou fiscalização da governação, preparando cuidadosamente o trabalho a desenvolver.
- Reconhecer e emendar de imediato as próprias falhas de cumprimento do código de ética.
- Não enveredar pela mentira ou pelo discurso mistificador. Combater e desmascarar todas as práticas de dissimulação. Assumir que a mentira ou a dissimulação pode impor a renúncia ao cargo.
- Combater toda a forma de nepotismo ou favoritismo. Estabelecer regras que reduzam ao mínimo as nomeações políticas.
- Assumir que o óptimo não é inimigo do bom, reconhecer que o inimigo do bom é o medíocre, o incompleto, o insuficiente, o desperdício e a incúria.
- Combater todas as formas de subversão do essencial pelo secundário ou mesmo pelo impertinente. (Dois exemplos: - a substituição do justo conceito de “para trabalho igual, salário igual” pelo injusto “para descritivo de funções igual, salário igual”; - a anulação, à partida, de provas importantes para a responsabilização de infractores e a reparação das vítimas, com base em pormenores processuais ou em supostas dificuldades de confirmação da veracidade dessas provas).
- Reger-se por uma agenda política relativa aos interesses nacionais e não deixar que o combate inter-partidário se desligue dos problemas mais importantes mesmo que, eventualmente, sejam os mais incómodos.
- Pugnar por elevar o comportamento ético dos partidos e a correspondente transparência dos seus métodos de financiamento e de formação das suas bases.
- Não ignorar o sistemático desrespeito de algumas regras dentro da sociedade, desrespeito esse que contribui decisivamente para uma baixa civilidade e uma menor confiança em muitas das instituições públicas e privadas. Encarar com determinação esses problemas de incumprimento e traçar caminhos para os resolver. (Dois exemplos entre um ror deles: - é absurdo ter uma lei que proíbe o estacionamento de veículos sobre passeios e não haver localidade alguma em que não se estacione nos passeios; - é reprovável fingir que não se desperdiçam bens e tempo, além de se corromperem pessoas, em cursos de formação de finalidade duvidosa e sem uma séria avaliação, exigidos por uns como cega panaceia e promovidos por outros com objectivos diversos do da formação propriamente dita).
- Assumir como prática censurável a introdução de legislação e/ou medidas, em fim de mandato, que possam criar dificuldades à governação seguinte, dado o menosprezo do interesse nacional que tal prática comporta.
No cumprimento destas regras lá se tinham de demitir o Presidente da República (basta atentar no seu discurso sobre as escutas de que não se retractou) e o Primeiro-Ministro (chega considerar o seu curso de engenharia de cuja irregularidade também nunca se retractou).
Será que, com este código, estamos a pedir de mais ou seremos nós portugueses que estamos mesmo muito mal sob o ponto de vista ético?
14-10-2009
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