sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Como atacar os maiores problemas de momento-2


Ainda sobre a ética

- Outro post sobre ética e tão depressa, porquê?

Desejo, primeiro do que tudo, realçar os muito bem elaborados e enriquecedores comentários que este assunto mereceu. E eles foram de tal ordem que, de imediato, não consigo deixar de reagir com nova reflexão sobre a matéria, mas sem pretensões de síntese ou abrangente conclusão, apenas com o objectivo de realinhar algumas das minhas ideias para, de seguida, as compartilhar.

- A falta de ética dos dirigentes e das pessoas em geral

No que respeita à falta de ética de muitos políticos e dirigentes, um dos aspectos mais sublinhados foi o da radicação dessa falha na própria falta de ética da população em geral, radicação sustentada na afirmação consensual de que os governantes acabam por não ser mais do que um reflexo do seu povo. Assim, deveríamos começar por nos emendar antes de exigir a emenda dos políticos e dos dirigentes.

Por outro lado, foi também destacada a importância da autoridade, ao ponto até de a sobrepor à educação cívica. Entendi esta observação como uma maneira de dizer que o correcto comportamento ético dos que estão em lugares de direcção é mais influente, pela sua reconhecida autoridade, do que muitas explanações sobre educação cívica. Deste jeito pôs-se a ênfase na necessidade de se terem dirigentes com um comportamento ético bastante acima do comum.

Quer dizer, foram encontradas razões para pensar que não teremos melhores governantes se não elevarmos todo o nosso comportamento ético em geral e, sob outra perspectiva, foram encontradas razões para pensar que não melhoraremos grande coisa sem a ajuda de alguma autoridade moral. Parece que desembocámos num paradoxo. Haverá saída? Julgo que sim.

- Atacar em duas frentes e estar preparado

Como acontece na prossecução dos projectos complexos, em que o caminho para atingir os objectivos não é bem conhecido, deveremos também aqui atacar o problema em mais do que uma frente e, o que não é menos importante, sem descurar uma especial preparação para, sempre que possível, tirar partido do imprevisto.

Logo, será de exigir, em simultâneo, um comportamento ético mais elevado aos nossos dirigentes e a nós mesmos.

Haverá bastantes que requererão muito dos outros e quase nada de si mesmos. Contudo, já algo se ganha se eles, para justificar as suas reclamações, se guiarem por um código de ética, o qual, porque o utilizaram, não poderão negar quando forem sujeitos a censura. (A propósito, cabe notar que os dirigentes que usam e abusam de palavras como honestidade, rectidão, rigor ou transparência para encobrir acções suspeitas, nunca referem o código específico de comportamento ético pelo qual se regem. Eles, todavia, assim como a maioria das pessoas, não recusariam, ou não teriam publicamente a coragem de recusar, as normas que listámos no post anterior. Isso mostra como é importante usarmos, nas várias frentes da nossa actividade cívica, um guia como aquele, a fim de evitar confusões ou imposturas, nossas e dos outros).

Estar preparado para tirar proveito do imprevisto é simplesmente, permitam-me alguma redundância, estar preparado e atento para fazer valer o código de ética sempre que surja uma oportunidade relevante, contribuindo de maneira substancial para aumentar a necessária pressão social no sentido de um elevado e generalizado comportamento ético. E, como sabemos, são os mais bem preparados e atentos que aproveitam as ocasiões ou que descobrem os tesouros onde outros não os vêm. Infelizmente, parecem ser os impostores e os oportunistas (vulgo chicos-espertos) que estão a prevalecer em Portugal, mostrando-se mais aptos. Tratar-se-á de uma fatalidade irreversível?

Esta última questão leva-nos a um ponto delicado: o dos interesses de cada um, da feroz competição individual, da ostentação, da busca desesperada pelo sucesso ou pelo poder.

- Os interesses individuais, a competição, o sucesso e o poder

Será que deveremos considerar como ilegítimos os interesses individuais, o espírito de competição, a busca do sucesso social ou a conquista do poder? Em meu entender qualquer destas manifestações torna-se inatacável desde que respeite a liberdade dos outros e não lhes acarrete prejuízos. Negar, por exemplo, a legitimidade de alguém querer juntar bastos bens materiais, de competir duramente, de exibir uma imagem de sucesso e de buscar o poder económico e/ou político, negar a legitimidade dessas atitudes só fará sentido se, penso eu, a pessoa em causa não cumprir as regras éticas básicas e as leis socialmente estabelecidas. O facto de, nestas andanças, não poucos se perderem em teias de falta de ética não deve servir para, à partida, estigmatizarmos aquelas tão naturais manifestações da natureza humana.

Veio este assunto à colação, também, porque a enorme competição existente entre as pessoas, assim como a demasiada valorização concedida pela nossa sociedade ao sucesso e à busca do poder, foram apontadas como causas de alguns dos nossos maiores males. Ora, a meu ver, apontar as baterias para este lado poderá ser um desperdício. Isto porque as pessoas, procurando sobreviver e alcançar alguma felicidade, o têm de fazer contra um meio muitas vezes adverso, nomeadamente o representado pelo seu semelhante quando lhe disputa um qualquer quinhão. Portanto, as pessoas competem e procuram estabilizar as vantagens. Sendo diferentes e não actuando sempre nas mesmas circunstâncias obtêm resultados diferentes. Este é um facto incontornável ligado à evolução humana. Querer erradicá-lo é o mesmo que inventar uma outra humanidade, o que, no mínimo, constitui uma perda de tempo.

Será, então, que nos temos de resignar à chamada lei da selva? De modo algum, como julgo poder mostrar.

- Como se evita a lei da selva

Do que disse atrás fica claro que, honestamente, não consigo defender, como solução, o igualitarismo ou qualquer sistema que dele mais ou menos se reclame, salvo no que respeita à igualdade de oportunidades. O que entendo aqui como igualitarismo é a doutrina daqueles que pretendem esbater as diferenças entre as pessoas e, em particular, entre os resultados que elas obtêm, fazendo de conta que as diferenças inter-pessoais não existem, impondo uma igualdade artificial. É bem conhecido o insucesso das experiências igualitárias que têm (teimosamente) sido levadas a efeito, seja na educação de crianças, na organização empresarial ou em outras instituições sociais. Os resultados, pelo que tenho sabido, situam-se sistematicamente abaixo do que, em condições não igualitárias, seria a mediania. Quanto se percebe, os melhores não têm estímulos para ultrapassar o nível médio do grupo em que obrigatoriamente estão inseridos e os menos preparados não beneficiam do efeito de arrasto nem daquilo que os melhores poderiam produzir.

Mas a evolução humana apetrechou-nos com mecanismos não só de contenção da lei da selva como de ganhos adicionais para os grupos que apliquem esses mecanismos. Os dispositivos em causa são as normas éticas, as quais se formaram e prevaleceram porque, necessariamente, alguma vantagem trouxeram. Dentro desta perspectiva, não vejo que o combate para um país melhor tenha de passar, no que à ética respeita, por igualitarismos utópicos ou a extinção de naturais aspirações dos humanos.

Tem de passar, isso sim, por um esforço no sentido de uma generalizada aplicação das normas éticas e da condenação social daqueles que as não cumpram. Desse modo ficam muitos mais a ganhar.

- A diversidade, a competição e os mais fracos. O amor, a amizade e a solidariedade

A diversidade e a competitividade têm sido, segundo a generalidade dos investigadores, importantíssimos motores da evolução da vida na Terra, sem excepção dos seres mais recentes e desenvolvidos, como os humanos. Por isso, aplicar ideologias que contrariam aquelas características é muito provavelmente apostar no fracasso, senão na tragédia, com já se verificou.

No entanto, importa esclarecer que não se pode inferir que advogo o desprezo, quiçá o descarte, dos mais fracos ou aparentemente menos aptos. Antes pelo contrário, pois julgo que é da abundância proporcionada pela competitividade e pelos mais aptos, sob condições éticas, assim como da humilde constatação de que nunca sabemos exactamente quão importantes são os mais fracos, que advém a sua maior protecção.

E o amor, a amizade e a solidariedade? São bens inestimáveis que uma elevada ética só pode beneficiar.

- Conclusão

Urge, portanto, aplicar e defender um código de comportamento ético como o esboçado no post anterior.

Ele pode ser bastante melhorado. Todas as contribuições são bem-vindas.

Pedro Faria, 23-10-2009

9 comentários:

Anónimo disse...

Caro Pedro.
Permita-me este tratamento.
Desde que Rumindo saiu pela primeira vez que aqui venho ver todos os comentários que vão sendo postados.
Devo dizer que concordo com todos ele e que todos eles são motivo de reflexão pela minha parte.
Alguns até me sugerem algumas palavras que, mau grado meu, mão sou capaz de fazer sairem cá para fora de modo racionalmente apropriado.
Pena que algumas mentes que poderiam dar uma mãozinha no seu excelente Bolg ainda não se tivessem decidido a colaborar.
Poderá ser dito que também eu posso dar a minha colaboração mas eu, pelo menos por enquanto, não estou preparado para entrar em assuntos tão complicados

Luciano Dias

A. João Soares disse...

Caro Amigo Faria,

Parabéns por mais esta reflexão, na continuação de uma abordagem, útil e em grande estilo, de um problema de inegável significado na vida nacional e na humanidade.
O igualitarismo nas oportunidades é indiscutível, mas depois cada um deve colher os frutos do seu mérito, do seu trabalho. A vida prática poderá ser orientada como o atletismo, em que vencem os melhores, dentro de regras bem definidas, éticas, morais, legais.
O respeito pelos direitos dos outros, pelo bem público devem ser constantes, sempre presentes e escrupulosamente seguidos.
Numa empresa, o director em função da sua capacidade, responsabilidade e importância do seu trabalho terá um salário superior ao do operário encarregado de uma função mais simples e fácil, mas não se compreende que o director, por exemplo, receba um «prémio de produtividade» quando a empresa, tenha prejuízos, que demonstram deficiente gestão. Também não é lógico que não haja prémios para os operários que se distingam pelo resultado excelente obtido numa correcta avaliação do desempenho.
O mérito e a excelência devem resultar em benefícios adequados para que o mundo progrida, «pule avance como bola colorida». Mas tais benefícios devem obedecer a regras éticas, não podendo deixar impunes os «chico-espertos» que abusam do seu poder e da impassibilidade dos lesados.

Um abraço
João

Pedro Faria disse...

Caro João Soares.

O meu amigo, para além da gentileza, prima pelas claras e justas observações que faz.

Quero agora falar, em particular, da sua oportuníssima referência à igualdade de oportunidades. Acontece que, não tendo eu expresso o que entendia por igualitarismo, pareceria que, não defendendo esta última doutrina, poderia não querer defender, também, o justíssimo princípio da busca da igualdade de oportunidades para todas as pessoas. Apressei-me, por isso, a fazer um pequeno acrescento ao meu texto inicial.

Creio que me deixei cair numa falha de comunicação pela ideia que fui cimentando de que o princípio da igualdade de oportunidades não encaixa bem no igualitarismo. Este, quando levado mais longe, porque afirma irrealistamente a igualdade das próprias pessoas, subverte ou torna irrelevante o princípio da igualdade de oportunidades, podendo fazer com que estas sejam quase totalmente perdidas.

Dou um exemplo muito simples, que o meu amigo, com certeza, já experimentou, pelo menos de forma mitigada. Imagine uma equipa de trabalhos práticos, constituída por quatro alunos, em que o professor determina querer um só relatório por tarefa, relatório esse que servirá para classificar com idêntica nota cada um dos membros do grupo. Imagine mesmo que o professor, para além de dar a mesma oportunidade a todos em explicações, manuais de consulta e acesso aos materiais necessários para a execução das tarefas, faz uma prelecção sobre as vantagens do trabalho de equipa e os exorta, por tal ser realmente possível, a obterem um resultado muito acima do sua média. Tudo parece bater certo! Mas só não dará mau resultado, como a experiência mostra, se por acaso os quatro alunos forem de nível bastante semelhante para efeito da execução dos trabalhos em causa. O aluno ou a aluna mais apta cansar-se-á de arrastar os outros. Estes, por sua vez, descansarão nela e nada estudarão. O conjunto tenderá para os “trabalhos mínimos” e, se for de cábulas, ainda para menos. Mas bastava, por exemplo, que o professor tivesse anunciado que também faria testes orais individuais para que o grupo buscasse um mínimo de organização a fim de, então como uma equipa de facto, vir a obter resultados acima da sua expectável média. E o interessante nestes casos, depois deitado o igualitarismo pela porta fora, é o facto de, não poucas vezes, serem os mais fracos quem mais colhe em termos proporcionais. Enfim, defeitos do igualitarismo, virtudes da igualdade de oportunidades.

Um abraço.

Pedro Faria

A. João Soares disse...

Caro Pedro Faria

O seu comentário mostra que é necessário estimular o mérito, a dedicação, a competência, na senda da excelência. Nos resultados do trabalho não é possível exigir igualdade, pois somos todos diferentes. E para bem do desenvolvimento das sociedades, será conveniente apoiar ou, pelo menos não desincentivar os superdotados, os génios, que serão fontes de inovação e originalidade.

Um abraço
João

Pedro Faria disse...

Caro João Soares:
É como o meu amigo diz, é necessário estimular o mérito, a dedicação e a competência.
Cabe talvez acrescentar que o estímulo aos que mais sobressaem na sua actividade nunca deve ser acompanhado da humilhação dos outros. Julgo, em todo o caso, que este cuidado não deve ser levado a extremos absurdos. Há igualitaristas, por exemplo, que entendem a generalidade das distinções (melhores remunerações, citações em quadro de honra, medalhas, etc.) como formas de humilhação dos não distinguidos. E seriam formas de humilhação se todos fossemos iguais, se correspondêssemos ao erro em que querem laborar. Esquecem-se que as pessoas têm o sentido das diferenças, que interiorizam toda a sua vida de acordo com elas e que, para além de egoísmos, invejas e outros malsãos sentimentos, acabam por prezar a justiça, entendida esta como um adequado equilíbrio entre os direitos e capacidades de cada cidadão com os direitos e capacidades dos demais.
E a justiça, como todos sabemos, é algo que está muito mal no nosso pais. Estou a pensar em tratar desse assunto no próximo post, analisando-o do ponto de vista de um cidadão comum.
Um abraço.
Pedro Faria

Luis disse...

Meus Bons Amigos,
O exemplo dado sobre os trabalhos de grupo foi muito feliz e mostra como o nosso ensino está eivado de vicios que permitem aos "chico-espertos" singrarem na Vida, dando possibilidade à Ignorância de vir a ocupar lugares que só a Excelência devia consentir. Dá por isso origem a que a Ética fique no "tinteiro", passe a expressão!
Outra situação que faz cair a Ética em "cesto roto" é o materialismo vigente na nossa sociedade onde o "novo-riquismo" impera e o TER e o HAVER supera o SER. Definitivamente há que mudar este estado de coisas através da Educação do povo pois só assim se poderá gradualmente vir a encontrar dirigentes devidamente preparados, seguindo princípios e valores, que lhes permitam ocupar com mérito os lugares da governação!
Por agora me fico aguardando o que da JUSTIÇA virá a ser dito.
Um abraço amigo

Luis disse...

Amigo Pedro Faria,
No seguimento dos diversos comentários já aqui apresentados lembrei-me de mais umas "achegas"!
Para além dos Valores e da Ética já aqui bem tratados temos a Justiça em que os partidos mais votados deveriam trabalhar em conjunto para desformalizarem a justiça portuguesa resolvendo assim a sua ineficácia actual.
Como tema seguinte há que estudar a forma de dar mais Segurança a todos nós. As correntes migratórias, os guetos urbanos e a degradação da situação económica alteraram as condições de segurança que até agora viviamos. Há mais assaltos . estes são mais violentos e os bandidos começam a dispor de armamento igual ou superior às forças de segurança. Nas grandes cidades deverá instituir.se tolerância zero para este tipo de crimes violentos! Segue-se a Educação e a Avaliação dos professores que poderá passar por dar maior autonomia às Escolas para contratarem os seus professores e estas e as Associações de Pais e Autarquias cooresponsabilizarem-se pelo pessoal docente nas Escolas.
O Estado do Século XXI não poderá reger-se para reolução de problemas do Século XIX agilizando-o em áreas como Agricultura, Transportes e outras a permitir-lhe poder ter acções mais efectivas noutras de maior importância para o momento actual. Neste caso o Mar deverá tomar a dianteira no interesse do governo pois não devemos perder este "barco" tão importante para a nossa sobrevivência e economia.
Nele estão incluidas as pescas que tão mal têm sido tratadas até agora. Não me querendo alongar mais ainda lembro as Energias Renováveis, as Nanologias que estão a dar os primeiros passos, as Tecnologias de Informação e Indústrias tradicionais e o Turismo e os Grandes Eventos culturais que poderão estar aí associados.
E acho que já me alonguei demais pelo que peço muita desculpa-
Um grande abraço muito amigo.

Pedro Faria disse...

Caro Luís:
Agradeço os seus comentários e congratulo-me com a sua amiga e empenhada contribuição para termos ideias cada vez mais claras sobre os nossos problemas e a maneira de os encarar.
Não quero, neste momento, deixar de realçar a sua referência à agricultura e às pescas, uma importantíssima área que não individualizei na lista do primeiro post.
E o mais engraçado é que, quando já tinha em mente dizer-lhe duas palavras sobre esta matéria, ouvi o Dr. Paulo Rangel, em entrevista na RTP 1, defender o desenvolvimento da agricultura e das pescas como uma questão estratégica ou de defesa e que não deve ser vista como meramente económica.
Independentemente da origem partidária desta proposta, considero-a acertadíssima, já que é possível verificar que estamos a ficar demasiado pobres, atrasados e indefesos em tudo o que respeita à agricultura e às pescas.
Quanto me parece o melhor, contudo, não será começar por subsidiar a produção. Há primeiro que conferir, estudar, investigar, ficar a saber e estimular a aplicação de todos os processos que levem a uma produção mais qualificada, seja do ponto de vista estratégico nacional, económico, nutricional ou ambiental.
Um abraço amigo.
Pedro Faria

Luis disse...

Meu Bom Amigo,
Obrigado pelas suas palavras e estou consigo no que diz respeito à "subsidiocracia" que foi instituida em Portugal. Há que estudar, investigar estimulando os melhores métodos de trabalho para aplicá-los numa produção qualificada e daí podermos tirar os melhores proveitos. O contrário é "prostituir" as acções e não tirar delas qualquer efeito!
Um abraço amigo.