sábado, 21 de novembro de 2009

Como atacar os maiores problemas de momento-4


Sobre a Justiça em Portugal (2.ª parte)

É necessário dispor de melhor legislação

A lei a que se submete a administração da justiça precede juízes e magistrados e é um instrumento tão essencial como o órgão de soberania que se encarrega da sua administração. Ora, não podemos ignorar as queixas que têm surgido sobre defeitos diversíssimos da lei. A própria Constituição da República Portuguesa não está isenta de importantes e fundados reparos.

A qualidade da justiça em Portugal é afectada, necessariamente, pelo que está mal nas leis e os cidadãos têm motivos para exigir uma maior eficiência e probidade de todos aqueles que contribuem para a sua feitura.

E se uma vulgar pessoa não pode invocar a ignorância da lei para sua defesa, será bom que aqueles que a elaboram, redigem e referenciam, cuidem de a apresentar de uma forma mais compreensível e com melhor arrumação. Sendo a legislação de um país um conjunto muito complexo, mal se entende que se acrescentem complicações por desleixo, apego a fórmulas ultrapassadas ou infundada relutância em aplicar modernos processos de referenciação e cruzamento de dados com consequências simultaneamente enriquecedoras e simplificadoras.

À pala da nossa protecção, vemos serem protegidos os que nos ludibriam

A grande complexidade da lei não tem impedido o cidadão comum de se aperceber de lacunas, artimanhas e desvios de finalidade de que algumas leis enfermam.

Apercebemo-nos de muitos crimes sobre os quais a Justiça nunca chegou à completa identificação ou a uma condenação dos respectivos autores conforme à gravidade dos actos cometidos. Vimos como nesses casos os poderosos puderam servir-se habilmente dos meios de protecção devida aos arguidos, bem como de expedientes processuais, para arrastar os julgamentos e fazê-los naufragar. Demo-nos conta de que haveria acusações mal preparadas. Vimos serem liminarmente recusados elementos de prova por serem susceptíveis de manipulação e/ou por não terem sido autorizados por um juiz. Verificámos que alguém ou alguma empresa pôde invocar e fazer prevalecer direitos adquiridos, com base em despachos incompetentes, quando não dolosos, contra anteriores direitos de grupos sociais muito mais vastos.

Vimos, portanto, muitas maneiras de não se fazer justiça, sem que os erros fossem devidamente reconhecidos e alguma alteração benéfica ocorresse.

Em tais circunstâncias chegou-nos a dar gana de fazer justiça pelas nossas próprias mãos. Por isso, não raro, a propósito dos processos mais mediáticos e perante uma certa onda justiceira que sempre se desenvolve, ouvimos pessoa chamarem-nos a atenção para o facto da República Portuguesa ser um Estado de direito democrático, onde não pode valer tudo para acusar as pessoas e onde só se deve agir de acordo com a lei. Estas têm sido palavras muito sensatas e oportunas. Só que, nessas ocasiões, conviria, dentro de uma mesmo intento didáctico, nunca deixar de referir os defeitos da lei ou da sua administração, defeitos cuja percepção revolta os cidadãos e favorece os indesejáveis sentimentos justiceiros.

Constatámos que as leis e as normas de desenvolvimento dos processos têm falhas que concorrem para uma deficiente e injusta administração da justiça. Notámos que dentro do sistema judicial se tropeça com demasiada burocracia. Verificámos, também, que há muitos casos em que prevalece a forma e o irrelevante em detrimento do essencial, uma prevalência que, apregoada como escrupuloso cumprimento da lei e ratificada, bem ou mal, pelos juízes, constitui um filão das manobras dilatórias senão uma forma de aniquilação prática de algumas provas.

O cidadão comum não consegue entender, por exemplo, que uma escuta, devidamente autorizada e relevante como prova de um crime, possa ser posta em causa devido, por exemplo, a ter devassado a vida de pessoas que nada tinham a ver com o que estava a ser averiguado. O que cidadão comum deseja é que se proteja a privacidade daqueles que por acidente foram apanhados na pesquisa, que se penalize qualquer eventual exorbitância na averiguação, mas que não se anule a prova por razões laterais. Mais, se a extensão acidental da escuta revelar outro crime ou trouxer novos elementos para o caso, afirma o cidadão comum que tal não se despreze. De outro modo sentir-se-á burlado pela máquina da Justiça que, à pala da sua protecção, acaba por proteger aqueles que o enganam.

É igualmente difícil de perceber a rejeição liminar de eventuais provas como escutas áudio, fotos e vídeos obtidos sem autorização do poder judicial ou fora de sistemas de vigilância devidamente legalizados. Os principais argumentos para a recusa, quanto se percebe, são: primeiro, a fácil manipulação de tais testemunhos e, segundo, o repúdio de registos com origem em interesses particulares, não poucas vezes envolvendo a devassa da vida de outros cidadãos com propósitos ilícitos. A fraqueza destes argumentos reside em dois factos: não há testemunho cuja veracidade não tenha de ser escrutinada e a origem da generalidade dos registos audiovisuais não é reprovável. Mas, mesmo quando o seja, haverá que julgar o delito associado ao registo e não desprezar a eventual prova.

Como resultado de falhas deste género vemos pessoas em posições importantes no país que, não se tendo retractado dos seus erros, passeiam a sua impunidade, baseada em anulações formais, e se dão até ao descaramento de se pronunciarem sobre outros delitos como se tivessem alguma autoridade moral para o fazer.

O vício conceptual de deixar prevalecer o menos importante sobre o essencial

Nos aspectos que se referem à feitura das leis e regulação dos processos não é de mais insistir no vício que consiste em deixar que o menos importante ou particular possa prejudicar ou até prevalecer sobre o mais importante, o essencial ou o mais geral. Ouvindo advogados, professores de direito, magistrados e juízes, ficamos convencidos de que esse vício será algo que lhes é inoculado nas faculdades e acaba por tolher o raciocínio de alguns. Perdoem os visados a maneira metafórica, jocosa e um tanto redutora de pôr a questão. Mas, na verdade, vemos que muitas destas pessoas se enredam facilmente em habilidades jurídicas e se esquecem, amiúde, da lógica e coerência a que as leis devem obedecer para satisfazer a sua grande finalidade.

Esse esquecimento leva, entre outras coisas, a que na nossa legislação o enriquecimento ilícito, a corrupção e o grande crime económico, ilícitos devastadores e já de si muito difíceis de averiguar, consigam ficar praticamente impunes como consequência de garantias legais que dificultam, em tempo útil, a recolha e o reconhecimento de provas, para gáudio dos prevaricadores e desespero dos que trabalham e pagam os impostos.

Pede-se pois às escolas de direito que reflictam sobre as razões de uma tão deficiente Justiça em Portugal, que discutam as suas conclusões preliminares com entidades exteriores às Universidades, que reconheçam a sua muito provável contribuição negativa, que apresentem conclusões e as façam reflectir sobre o ensino.

O papel, nem sempre positivo, dos advogados

No que respeita aos advogados, uma das prestações mais negativas de que o cidadão comum se apercebe é a da sua contribuição efectiva para a litigância de má fé, para o arrastamento dos processos tendo em vista ganhos ilegítimos, ainda que legalmente sustentados. Outra é a do recurso a expedientes onde a verdade é traída, como quando sugerem aos clientes a apresentação de testemunhas falsas, mesmo que com boas intenções O cidadão comum também nota que os advogados, em especial através dos grandes escritórios, não sentem pejo em explorar a lei para apoiar pessoas ou empresas na prossecução de empreendimentos cuja realização lesa, de algum modo, a sociedade em geral.

É evidente que carecemos de dispositivos dissuasores e punitivos da litigância de má-fé, tanto para as partes como para os advogados. É evidente também que ou falta alguma coisa ao código deontológico dos advogados ou este não está a ser suficientemente lembrado para condenar condutas de desprezo da verdade ou de apoio a negócios menos claros.

Dentro deste panorama, parece que os advogados têm contribuído mais para armadilhar a lei a favor de poderosos do que para melhorá-la como instrumento de Justiça. Registem-se, no entanto, os esforços do actual bastonário da Ordem dos Advogados para uma efectiva melhoria do sistema judicial bem como para a condenação de práticas pouco recomendáveis por parte de colegas seus.

O papel, nem sempre positivo, dos outros órgãos de soberania

O Governo e a Assembleia da República são os dois órgãos de soberania de onde advêm as leis. Os seus membros provêm genericamente dos partidos políticos. Os partidos políticos, por seu lado, patenteiam inúmeros atropelos à lei e à ética. (Basta considerar os casos vindos a público, relativos ao financiamento, para se ver como, no seio dos partidos, a legalidade e a ética são frequentemente esquecidas. Se falássemos da ocupação de lugares no Estado ou de empresas ligadas ao Estado, continuaríamos a encontrar coisas bem lastimáveis e revoltantes).

Portanto, em Portugal, temos muitas razões para desconfiar das escolas partidárias, dos deputados e, muito em particular, dos líderes partidários, os quais, no mínimo, fecham os olhos aos atropelos. Como complemento, somos brindados, fora do chapéu da pseudo-desculpa do trabalho para a causa partidária, com pessoalíssimas demonstrações de uma falta de ética sem arrependimento.

Lembremos só dois exemplos e ao mais alto nível do Estado.

O Sr. Primeiro-ministro, um experimentado líder partidário, tirou, como se provou e não sofreu desmentido, um curso de engenharia muito questionável quanto ao nível e à avaliação dos conhecimentos adquiridos, num processo inadmissível numa universidade minimamente decente. Ao optar por esta via para alcançar o título de engenheiro, ou de licenciado em engenharia, revelou o Sr. Primeiro-ministro um reprovável oportunismo. Foi algo muito grave, para não dizer pior, num responsável governamental para quem o ensino e a educação não podem ser entendidos como uma impostura. Apesar disso, nunca se retractou do embuste em que se envolveu.

O Sr. Presidente da República tem também um historial de líder partidário. Fez passar, é verdade, a imagem de não gostar de muitas das práticas do seu partido, talvez por ferirem a sua verticalidade, mas, durante a sua liderança, nunca enjeitou o respectivo aparelho ou evidenciou propósitos de alterar o que estivesse mal. Há bem pouco tempo e em concordância com outros sinais anteriores, demonstrou ser, sem sombra para dúvidas, um mistificador que despreza os seus concidadãos. Isso aconteceu com a declaração solene que fez ao país sobre as alegadas escutas a Belém, na qual não respondeu a qualquer das questões que se punham e introduziu, como se fossem problemas de Estado, questões laterais. Ficou publicamente demonstrado que o acto foi muito pouco digno. Apesar disso, também nunca se retractou.

A Justiça, como é natural, ressente-se destes maus exemplos e de toda a consentida má escola partidária que entra na elaboração das leis.

Como membros da sociedade civil precisamos de dar um sinal de veemente desaprovação das habilidades batoteiras e fazer pressão, por todos os meios ao nosso alcance, incluindo o do voto, para condenar a falta de ética de muitos dos nossos responsáveis políticos e fazer com que o seu nível ético se situe acima da média do nosso país e acabe por fazer com que este último também se eleve.

Pedro Faria, 20 de Novembro de 2009

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Como atacar os maiores problemas de momento-3

Sobre a Justiça em Portugal (1.ª parte)

Ponto de vista deste comentário

A visão que desejo apresentar da Justiça em Portugal é a correspondente à de um cidadão comum, com poucos contactos directos com órgãos ligados à Justiça, mas que se sente, como tantos outros, directa e indirectamente vítima da sua elevada inoperância e desajuste.

O que vamos entender como Justiça

Convém esclarecer, desde já, o que iremos englobar sob esta designação.
Em primeiro lugar, há que referir a administração da justiça levada a efeito pelo órgão de soberania denominado “Tribunais”. Aí se incluem os tribunais judiciais (de primeira, segunda instância e supremo), os tribunais administrativos e fiscais, o Tribunal de Contas, tribunais marítimos, tribunais arbitrais e julgados de paz, bem como o Ministério Público, ao qual pertence a Procuradoria-Geral da República. Juntemos a este grupo o Tribunal Constitucional, embora a nossa lei fundamental não o considere sob o título de “Tribunais”.

A ideia mais abrangente que temos de Justiça não se confina, em todo o caso, aos órgãos atrás mencionados. Há que acrescentar a Polícia Judiciária e não esquecer, sob outro ponto de vista, o próprio corpo de leis pelo qual os órgãos judiciais se têm de reger, assim como o patrocínio forense assegurado pelos advogados e o Observatório Permanente de Justiça. Deste modo, não vamos pôr de lado as importantes contribuições para o estado da Justiça em Portugal da rsponsabilidade da Assembleia da República, do Governo, dos advogados e das escolas onde se ensina direito, jurisprudência e sociologia.

Lentidão e inoperância
Justiça forte com os mais fracos e fraca com os mais fortes

As mais visíveis pechas da justiça portuguesa são, talvez, a lentidão e a inoperância.
Os cidadãos verificam que, em geral, os casos que envolvem pessoas e instituições com algum poder demoram muitos anos a serem resolvidos ou acabam por não ter resolução satisfatória, seja por via de uma dissolução em pormenores formais que obscurecem e até anulam o essencial, seja por causa de provas mal estabelecidas e/ou devido a incompreensíveis prescrições. As vítimas não são compensadas em tempo útil e os faltosos não só escapam à devida punição como, não raro, exibem com despudor a esperteza que os fez escapar à lei. E, como sabemos, quando a Justiça não funciona todos são prejudicados, sobretudo os que trabalham e pagam os seus impostos.

Casos como os da Operação Furacão, Freeport, Sobreiros, Casa Pia, Submarinos ou edifício dos CTT de Coimbra, que já têm anos, dão iniludível consistência à ideia generalizada de serem questões que nunca serão resolvidas ou que, quando muito, serão encerradas sem se conseguir responsabilizar devidamente quem cometeu os actos susceptíveis de condenação. A esperança de solução para os casos mais recentes do BPN, BPP e Face Oculta não é maior. (Por que será que, nos Estados Unidos, uma ocorrência semelhante à do BPN foi solucionada em cerca de seis meses?). Outro aspecto da lentidão que os mais poderosos conseguem impor é a que se verifica nalguns processos de indemnização, em que até decisões, inteiramente favoráveis aos requerentes, só aparecem dez ou mais anos sobre os acontecimentos, quando as reparações já perderam sentido!

Mesmo que não estejam envolvidos poderosos, o cidadão comum tem a impressão, assente em inúmeros relatos, de que bastará uma das partes ter mais um pouco de poder para que possa ser embaraçado o justo andamento de um caso, o que entronca naquilo que o actual Bastonário da Ordem dos Advogados, Dr. Marinho Pinto, sintetizou com a afirmação de que a nossa Justiça é forte com os fracos e fraca com os fortes.

A Justiça não se mostra capaz de uma auto-reforma e está inquinada

Por que motivo isto se passa assim? Por que será que, em dezenas de anos, os diversos agentes envolvidos na Justiça não conseguiram solucionar pelo menos alguns dos problemas de fundo?
As causas serão muitas, mas é evidente que a Justiça Portuguesa não tem sido capaz de se auto-reformar, uma vez que, face às prementes necessidades colocadas durante dezenas de anos, não deu sinais de o conseguir fazer.

Sendo muitos os agentes de Justiça que podemos admirar pelo seu saber, probidade e dedicação, a verdade é que vemos os diversos subconjuntos do sistema enleados mais em interesses de grupo, em habilidades jurídicas ou académicas, em vaidades e questões políticas, do que numa efectiva contribuição para a boa administração da justiça.

Deste inegável e triste panorama inferimos, portanto, que os diversos órgãos da Justiça se encontram submetidos a agentes menos dignos e/ou reféns de interesses corporativos, político-partidários ou económicos. Para além disso estarão ainda presos a concepções erróneas sobre a finalidade da administração da justiça.

Um caso bem conhecido de inquinação

Um exemplo claro da submissão a agentes menos dignos é o do Ministério Público. As frequentes e impunes violações do segredo de justiça sobre as quais não se descortinam outros propósitos que não sejam os (i) de difamar suspeitos ou (ii) de pôr em cheque organizações a que eles pertençam ou (iii) de lançar confusões que desacreditem a própria investigação (a fim de safar efectivos malfeitores) ou que tenham como objectivo (iv) contrariar qualquer das acções anteriores ou, ainda, (v) impedir, em desespero, que importantes processos morram à nascença, essas violações, dizíamos, mostram-nos, por uma razão ou por outra, que o Ministério Público está seriamente inquinado.

Mais, as fugas para os meios de comunicação indiciam outras e secretas fugas particulares, por exemplo, para dar tempo a alguns suspeitos, nomeadamente os mais poderosos, de eliminar provas comprometedoras.

Não seria mau, para começar, que o Conselho Superior do Ministério Público se submetesse, de forma expressa, a um código de ética, do tipo referido em post anterior, para dele tirar, de cima até baixo, as necessárias consequências. Não estão em causa os que já cumpram normas do género mencionado, mas sim aqueles que, lá dentro e para descrédito do Ministério Público, delas se riem.

Será talvez de rever, desde já, o quadro em que se insere o grande poder dos magistrados, o qual, devendo contribuir para uma geral, desenvolta e independente resolução dos processos, não parece estar a orientar-se nesse sentido.

As condições em que se aplica o segredo de justiça também serão de discutir, tendo em conta que ele não deverá ser instrumento de secreto abafo de casos incómodos, de cobertura de atrasos injustificáveis ou de interesses de violação.

Os sindicatos de magistrados e juízes não parecem ter razão de ser

O sindicalismo na Justiça, estendido a magistrados e juízes, contrariamente aos sinceros desejos de alguns, não ajudou a dignificar o sistema nem contribuiu para a sua independência. De acordo com o que se percebe, tal sindicalismo, inserido num órgão de soberania, serviu, sobretudo, para assegurar remunerações, reformas e regalias sociais, das mais elevadas da nossa sociedade, aos juízes e magistrados. Ora, isso não seria genericamente criticável se a Justiça funcionasse de maneira minimamente satisfatória e se não continuássemos a ver as respectivas organizações socioprofissionais envolvidas em disputas de poder ou de liderança, apegadas, acima de tudo, à protecção acrítica dos seus associados bem como à obtenção de direitos, preitos e benesses, alheadas do estado deplorável da própria Justiça, salvo piedosas e pouco consequentes declarações.

Os cidadãos têm dificuldade em entender um poder constitucional – pois os juízes e magistrados são membros, com estatutos especiais, de um órgão de soberania – cujos representantes se comportam, através das suas organizações socioprofissionais, como se fossem empregados dos outros órgãos de soberania. E vêm na correspondente actividade reivindicativa uma porta que se abriu à entrada de interesses político-partidários na Justiça, já que a negociação de benesses e contrapartidas dos diferentes grupos judiciais passou pela apreciação e disputa dos partidos ligados ao Governo e representados na Assembleia da República, os quais, naturalmente, não terão deixado de aproveitar a oportunidade que se lhes ofereceu de ganhar ou reforçar posições nas associações sindicais dos juízes e magistrados. Estas e a Justiça, conforme os sinais indiciam, foram arrastadas, de maneira mais ou menos sub-reptícia, para a luta política.

A interferência dos partidos nas associações sindicais de juízes e magistrados é uma questão de fundo porque abala a autonomia da Justiça. Os tribunais têm de ser independentes, sujeitos apenas à lei, sob pena da sua função perder sentido. Se os seus principais agentes se organizam em associações cujo sucesso reivindicativo se liga a interesses de grupos políticos, a independência fica em perigo. E a independência, outorgada aos tribunais pelo povo português, deve ser tratada como coisa inalienável pelos agentes da Justiça. Malbaratá-la ou torpedeá-la é algo de muito grave.

Conclui-se que o sindicalismo na Justiça, no que respeita a magistrados e juízes, não é recomendável e deverá, talvez, desaparecer. Não faltarão dispositivos e processos dignos, fora do movimento sindical, para tratar das questões relativas às suas carreiras, remunerações, pensões e regalias sociais. E não faltarão também mecanismos não sindicais de discussão da eficiência da Justiça, que permitam aos magistrados e aos juízes darem relevantes contributos para a melhoria da bastante desacreditada máquina judicial.

(Continua)

Títulos dos pontos da segunda parte deste post:

É necessário dispor de melhor legislação
À pala da nossa protecção, vemos serem protegidos os que nos ludibriam
O vício conceptual de deixar prevalecer o menos importante sobre o essencial
O papel, nem sempre positivo, dos advogados
O papel, nem sempre positivo, dos outros órgãos de soberania