quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Como atacar os maiores problemas de momento-5


Sobre a Justiça em Portugal (3.ª parte)


Nos dois apontamentos anteriores, procurei detectar os problemas mais importantes da Justiça e enunciar algumas vias de solução, colocando-me no ponto de vista de um cidadão comum e que se encontra fora do aparelho judiciário.

Faltou, em todo o caso, precisar um pouco melhor as consequências gerais da nossa ineficiência judicial, cujos efeitos mais directos, embora não imediatamente perceptíveis, talvez sejam os importantes estragos que provoca na coesão social democrática e na economia.



Consequências nefastas sobre a coesão social e a democracia

Numa sociedade onde abundam pessoas que impunemente não cumprem a lei, onde significativo número recorre com sucesso a habilidades de fuga ao fisco; tira descarado proveito da lentidão judicial para não pagar dívidas; aliena manhosamente património para não devolver o que indevidamente sacou; desrespeita contratos sem ser penalizado ou, por empenhos e prejuízo da maioria, consegue eliminar concorrentes, numa sociedade assim, onde os cidadãos podem constatar que o chamado Estado de Direito está longe de se realizar, porque tudo isto acontece sem que os Tribunais e demais órgãos de soberania consigam dar uma resposta minimamente satisfatória a tanto incumprimento, o espírito gregário é minado por uma tentação no sentido do salve-se quem puder, o que se compreende face a uma organização demasiado iníqua e particularmente injusta para quem queira ter uma vida honesta.

Em tais circunstâncias, que para nossa infelicidade são reais, a coesão social é gravemente afectada e a democracia é ameaçada.

Considero por isso tendencialmente criminoso o comportamento displicente, arrogante e evasivo dos agentes de justiça e dos políticos portugueses mais altamente colocados, que fingem não ver e mostram não querer considerar este seriíssimo problema.


Efeitos nefastos sobre a economia

Por outro lado, é matéria assente, entre economistas e analistas políticos, que não é possível estabelecer uma economia sã e sustentável sem um Estado de Direito. E vê-se bem porquê.

Nas suas relações económicas e financeiras os indivíduos e as empresas baseiam-se em contratos. Numa sociedade onde os acordos sejam amiúde desrespeitados sem consequências para os prevaricadores, instala-se a desconfiança entre os agentes económicos e deixa de haver condições para desenvolver um trabalho proveitoso. Se for muito difícil cobrar dívidas, as firmas mais pequenas passam por grandes dificuldades ou soçobram. E as mais fortes tendem a tomar medidas defensivas em relação a todos os clientes, com prejuízos para a maioria destes. Se há empresas que reiteradamente conseguem deixar de pagar os impostos ou as contribuições para a segurança social, as que cumprem são, desde logo, lesadas na sua capacidade concorrencial e vêem-se obrigadas a retrair-se, a degenerar ou procurar outras paragens. Se a corrupção é significativa, também a leal concorrência e a confiança dentro do sistema económico saem abaladas.

Quer dizer, onde a Justiça se mostra muito pouco eficiente para travar estas coisas, a economia ressente-se e vai abaixo, passa para um nível, digamos, subdesenvolvido, isto é, para um nível de menor qualidade e maior precariedade no que toca a todos os bens, sejam eles mais ou menos essenciais.

Ora, encontrando-se a Justiça portuguesa no estágio de ineficiência referido imediatamente atrás, as melhores reformas económicas que forem lançadas no nosso país estarão sempre votadas a enfrentar grandes dificuldades por razões extra-económicas.

Então, tal como o afirmou Henrique Raposo, em artigo no Expresso de 24-12-2009, versando igualmente sobre este tema, bem se pode dizer que, em Portugal, “a reforma económica mais urgente é, paradoxalmente, a reforma da Justiça”.
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2 comentários:

Luis disse...

Meu Bom Amigo,
Cá estamos de novo nesta luta insana por um Portugal Melhor! Este artigo que vem no seguimento e complementando outros anteriores esclarece bem os pontos nele referidos e de uma forma simples mas muito consisa. Que pena os nossos responsáveis não queiram seguir o que aqui se sugere... mas nós sabemos porquê! Não querem acabar com a sua(deles, claro)"galinha dos ovos de ouro" mas dessa forma acabam mesmo com Portugal! Bem Haja por haver ainda pessoas lutadoras como o meu amigo! É que "água mole em pedra dura tanto dá até que fura"!
Os meus sinceros parabéns e um forte e amigo abraço.

A. João Soares disse...

Caro Faria,

Uma nova achega para se compreender o que ocorre no País e as suas implicações. É pena que pelo menos um dos muitos assessores não leia estas palavras bem intencionadas e bem elaboradas e não procure retirar daqui as ilações convenientes para as suas funções. Mas, infelizmente, esses tipos nem sabem as suas funções e estão convencidos que o povo lhes paga para estarem a defender o próprio tacho e o do patrão.

Um abraço
João